Ilusão à vista: por que a denúncia do ‘café fake’ é só o começo ba1m
Caso acende o alerta para uma série de alimentos que induzem o consumidor ao engano g31

Nem tudo o que parece é: eis uma máxima que tem se tornado cada vez mais verdadeira e preocupante nas gôndolas dos supermercados. Não há exemplo mais fresco dessa constatação do que o café. Ou melhor, os pós que simulam uma das bebidas mais apreciadas e inflacionadas entre os brasileiros — popularmente chamados de “cafake”. Por irregularidades na composição do produto, algumas marcas foram notificadas por órgãos regulatórios e pelo próprio Ministério da Agricultura e Pecuária e começaram a ser recolhidas das prateleiras. Outras, mesmo em conformidade com o padrão estabelecido, ficam em uma espécie de limbo e levam os consumidores ao erro. São preparos “sabor café”, sem a quantidade e a qualidade exigidas para os grãos torrados e moídos. O fenômeno não se restringe às xícaras que inauguram toda manhã. Abrange azeites, requeijões, iogurtes…

Para separar o joio do trigo, cabe esclarecer que um produto similar e mais barato não é sinônimo de algo adulterado. A recente caçada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a marcas de pó sabor café partiu de inspeções que identificaram matéria-prima contaminada, impurezas e menções no rótulo sobre ingrediente que não estava presente. No caso do azeite, o problema era a origem desconhecida por falta de registro na Receita Federal. Essas análises são fundamentais para manter o controle de qualidade e garantir que a população consuma alimentos seguros mesmo quando optar por produtos mais íveis. “No molho de tomate, por exemplo, é permitido ter resíduos, inclusive resquícios derivados de animais, mas tem um limite. Há indústrias que utilizam ingredientes que não deveriam estar ali”, afirma a nutricionista Camille Perella, pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Os produtos contrafeitores, digamos assim, não são, a rigor, novidade. Já faz tempo, por exemplo, que misturas de óleos dividem o espaço com azeites de oliva e que compostos lácteos que imitam leite em pó estão ao lado dos legítimos. Mas eles decolaram com a alta galopante nos preços dos alimentos — muito bem representada por pacotes de café de 500 gramas e garrafas de 500 mililitros de azeite na faixa dos 40 reais cada. Nessa conjuntura, o “cafake” ou a ser opção para famílias diante de um produto cujo valor aumentou 82% no acumulado anual. O problema é que os nomes e os recipientes não deixam a diferença clara ao consumidor, muitas vezes emulando marcas e versões originais. “O similar não significa que é uma fraude. O principal ponto é usar imagens e embalagens que induzem as pessoas ao engano”, diz a nutricionista Mariana Ribeiro, do Programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec).
Embora tenhamos visto avanços na rotulagem — como os símbolos de lupa que atestam alta presença de sódio, açúcar e gordura —, a identificação de um similar pode exigir mais atenção. “O segredo é procurar o nome técnico do produto, uma informação nem sempre falada”, orienta Ribeiro. Em algum lugar da embalagem, será possível ler algo como “sabor café”, “à base de requeijão”, “composto”, “mistura”… Na lista de ingredientes, a recomendação é observar se há grande quantidade de itens e se eles são familiares ou refletem muitas denominações químicas. “O primeiro da lista é o que vai em maior quantidade, e se tem algo que a pessoa não sabe o que significa, provavelmente sua finalidade é atender necessidades do próprio produto e da indústria, não do nosso corpo”, diz Perella.

Por mais que a meta seja sempre propiciar aquisições mais balanceadas no mercado, há que convir que os similares refletem uma demanda econômica de parcela considerável da população. “Muitos brasileiros fazem suas escolhas alimentares com base no preço. É um fator decisivo na compra”, afirma a nutricionista Lara Natacci, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição (Sban). “Mas o consumidor precisa ter clareza e a indústria tem de comunicar de forma transparente o que compõe o alimento.” A questão é que, com frequência, os produtos que imitam os originais não são tão nutritivos e equilibrados, podendo pecar pela carga de gordura ou aditivos, por exemplo. Esse é um detalhe que não pode escapar da atenção quando estivermos de cara com as ofertas — sob pena de levar gato por lebre, iludir o paladar e a saúde e cair no conto do vigário. Todo o cuidado é pouco.
Publicado em VEJA de 13 de junho de 2025, edição nº 2948